Meus senhores eu sou a água 
que lava a cara, que lava os olhos 
que lava a rata e os entrefolhos 
que lava a nabiça e os agriões 
que lava a piça e os colhões 
que lava as damas e o que está vago 
pois lava as mamas e por onde cago. 
 
Meus senhores aqui está a água 
que rega a salsa e o rabanete 
que lava a língua a quem faz minete 
que lava o chibo mesmo da raspa 
tira o cheiro a bacalhau rasca 
que bebe o homem, que bebe o cão 
que lava a cona e o berbigão. 
 
Meus senhores aqui está a água 
que lava os olhos e os grelinhos 
que lava a cona e os paninhos 
que lava o sangue das grandes lutas 
que lava sérias e lava putas 
apaga o lume e o borralho 
e que lava as guelras ao caralho 
 
Meus senhores aqui está a água 
que rega rosas e manjericos 
que lava o bidé, que lava penicos 
 
tira mau cheiro das algibeiras 
dá de beber às fressureiras 
lava a tromba a qualquer fantoche e 
lava a boca depois de um broche. 
 
Os rios – João Cabral de Melo Neto 
 
Os rios que eu encontro 
vão seguindo comigo. 
Rios são de água pouca, 
em que a água sempre está por um fio. 
Cortados no verão 
que faz secar todos os rios. 
Rios todos com nome 
e que abraço como a amigos. 
Uns com nome de gente, 
outros com nome de bicho, 
uns com nome de santo, 
muitos só com apelido. 
Mas todos como a gente 
que por aqui tenho visto: 
a gente cuja vida 
se interrompe quando os rios. 
 
Nossa sabedoria – Carlos Nejar 
 
Nossa sabedoria é a dos rios. 
Não temos outra. 
Persistir. Ir com os rios, 
onda a onda. 
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios. 
Intactos passaremos sob a correnteza 
feita por nós e o nosso desespero. 
Passaremos límpidos. 
E nos moveremos, 
rio dentro do rio, 
corpo dentro do corpo, 
como antigos veleiros. 
 
Lição sobre a água – António Gedeão 
 
Este líquido é água. 
Quando pura 
é inodora, insípida e incolor. 
Reduzida a vapor, 
sob tensão e a alta temperatura, 
move os êmbolos das máquinas que, por isso, 
se denominam máquinas de vapor. 
 
É um bom dissolvente. 
Embora com excepções mas de um modo geral, 
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais. 
Congela a zero graus centesimais 
e ferve a 100, quando à pressão normal. 
 
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão, 
sob um luar gomoso e branco de camélia, 
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia 
com um nenúfar na mão. 
 
A falta d’água no mundo – João Batista Melo 
 
De novo bem realista 
a ONU vem alertar 
que na África e na China 
a água pode faltar 
e conforme este argumento 
não tendo planejamento 
muita gente vai dançar 
 
Sonho um Brasil d’água limpa 
e vida cheia de moral 
vencendo a poluição 
e qualquer um temporal 
se no mundo água faltar 
vamos daqui sustentar 
a demanda mundial 
 
E vamos exportar água 
em garrafões ou barril 
com a marca registrada 
” the água made in Brazil” 
pra ditadores malvados 
nem tendo Euros trocados 
não vendemos nem um til 
 
Recuperar nossas águas 
é nosso grande dever 
e convido a juventude 
para lutar e vencer 
e se alguém quiser mais água 
seja China ou Nicarágua 
termos pra dar e vender 
 
E não se deve estranhar 
se a escassez do produto, 
levar potência estrangeira 
a construir aguaduto 
até por baixo do mar 
a fim de daqui levar 
água mais pra seu reduto 
 
Temos de ser otimistas 
em qualquer situação 
só queremos que alguém 
nos indique a direção 
faça um cordel bem bonito 
ilustrado e bem escrito 
e mostre a população 
 
Pois nosso caso é dramático 
Não dá pra se brincar 
A FALTA D’ ÁGUA NO MUNDO 
é coisa de arrepiar 
se não houver uma ação 
até em nossa nação 
a água pode faltar 
 
Trucidaram o rio – Manuel Bandeira 
 
Prendei o rio 
Maltratai o rio 
Trucidai o rio 
A água não morre 
A água que é feita 
de gotas inermes 
Que um dia serão 
Maiores que o rio 
Grandes como o oceano 
Fortes como os gelos 
Os gelos polares 
Que tudo arrebentam. 
 
Tumulto – Cecília Meireles 
 
Tempestade… O desgrenhamento 
das ramagens… O choro vão 
da água triste, do longo vento, 
vem morrer-me no coração. 
 
A água triste cai como um sonho, 
sonho velho que se esqueceu… 
( Quando virás, ó meu tristonho 
Poeta, ó doce troveiro meu!…) 
 
E minha alma, sem luz nem tenda, 
passa errante, na noite má,` 
à procura de quem me entenda 
e de quem me consolará… 
 
Água doce, doce água – Evelyn Heine 
 
De mar é feita a terra, 
De água é feita a gente. 
Abaixo o desperdício! 
Poupar água: coisa urgente! 
 
Clara, doce ou gelada, 
Verde, azul ou transparente, 
Sem a água não há nada. 
Nem floresta, nem semente. 
 
Água doce mata a sede, 
Água doce é a que lava. 
Cachoeira, rio ou fonte… 
Só não pode ser salgada. 
 
Tanto bate até que fura, 
Diz ditado popular… 
Cuida dela! Você jura? 
Vamos economizar!